segunda-feira, 30 de abril de 2012

Espelhos


   Ele não tinha mais a mesma vitalidade de antes. Nem tampouco a ousadia de sonhar. Passava o dias jogado a sensação da natureza bruta, alimentado-se ao cheiro do vento, embebecido das memórias que lhe desnorteavam os sentidos.
    – Se ela não pode, também não posso voltar.
   Permanecia preso a mesma ideia que ninguém parecia compreender.
  Voltava todas as manhãs a velha casa … sempre uma igual sensação o sufocava. Presa entre aquelas paredes ainda estavam cenas de um passado que nunca acabou. Vinha repentinamente uma saudade, mas uma saudade do tipo triste, revirando memórias que acreditava-se que deveriam ser esquecidas.
  Agia ordenadamente, quase como um ritual. Primeiro, escorregava a mão pelos móveis de carvalho, sentindo a textura das peças intactas no andar do tempo. Seguia até o fim do corredor, se deparando frente a uma parede recoberta por lençol, puxava de maneira sutil, passava alguns minutos em um olhar fixo para si mesmo, reposicionava os óculos em simples gesto de vaidade e lançava sobre o enorme vidro o mesmo tecido branco, como quem quisesse esconder algo.
  Falavam da solidão, uma dor que parecia incomodar apenas os que assistiam de fora. Perguntavam sobre a angústia de ser só.
   – Esqueça!
  Ia implorando com lábios quase imóveis, enquanto repetia as mesmas emoções do toque daqueles objetos.
  Estava parado frente ao antigo espelho, quando em retirada, viraram as costas sem qualquer resposta. Em ímpeto, ele então afirmou :
  – Depende do que se cria e criei estar intermediário. Talvez hoje eu nem seja mais eu. Sinto-me fora ao que faz a vida se materializar, mas não me sinto distante muito pelo contrário.
  – Se ela não pode, também não posso voltar. Ficamos assim presos, eu a morte e ela a vida, mas um ao outro.
  E antes mesmo que novamente questionassem, compreendeu com sagacidade a expressão daquelas faces, rindo em tom sereno.
   – Quanto aquela parede... escondo o desnecessário. A alma não se reflete ao espelho.

Adelle Silva



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