domingo, 3 de junho de 2012

Apanhadores de imagem

Capítulo II

A perseguição


        Era tarde e eu ainda estava caminhando pelas ruas quase sem ninguém da Aracaju em fins de maio. Não havia nada, além do barulho das ondas de maré lançando água como espuma nas calçadas da Rua da frente. Um vento forte lutava contra a armação do meu guarda-chuva, cintilava negro o rio, ofuscava negra a noite.

       Cruzei o último quarteirão antes do sobrado em que estava instalada, revirei a bolsa procurando as chaves como quem tem pressa e fui tirando os sapatos encharcados de grãos de areia úmida que me prestavam um serviço natural de massagem aos pés. Senti pela fraca luz dos postes um sombra perseguindo meus passos, não era a minha. Diminui o ritmo da caminhada e repentemente  não estava mais lá, tornava a ser rápida e a silhueta estranha acompanhava fielmente meus rastros. Subi os degraus, segurei forte a maçaneta arrendondada da porta e empurrei-a sala a dentro fazendo um imediato movimento contrário.


      À mesa as correspondências estavam espalhadas, mas logo me deparei com o basculhante da cozinha aberto, havia deixado assim antes de escapar pelas ruas naquela manhã. Não teria sido nada, só mais uma dessas impressões que assusta; Medo de tudo que se tem. 


     Recostei-me na cama e mirei os olhos no céu vazio sem estrelas, do outro lado em um andar superior alguém assistia meu devaneio, enquanto eu tentando visualizar a figura sem ser denunciada, forçava a visão pelo canto das pálpebras só conseguindo um vulto, imagem turva do outro lado das janelas. Um tanto familiar. 


       Estiquei o corpo sobre a cama e passei os dedos no interruptor - no escuro nada se vê - conclui tentando me convencer com minha própria mentira.


    - Uma vela! Isso, uma vela! Ainda precisava escrever alguns relatórios e debruçada na escrivaninha aproveitaria até o último fio de noite ou centímetro de pavio. Não recordo quem acabou primeiro.


       
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Adelle Silva
Apanhadores de imagem Capítulo I

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